domingo, 29 de março de 2009

O SUPREMO E O ATO INSTITUCIONAL N° 5


Com grande prazer, li recentemente, artigo, do também agora cidadão amapaense Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal sobre o STF e o AI5. Nele discorre sobre três magistrados “compulsoriamente” aposentados pelo ato violento: Victor Nunes Leal – então vice-presidente, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima.
Dos três, conheci pessoalmente dois: Evandro Lins e Silva, na convivência do Conselho Federal da OAB. E o saudoso Ministro Victor Nunes Leal, que além de idealizador das Súmulas do STF, foi o inspirador da criação da Comissão de Direitos Humanos daquela entidade. Victor Nunes Leal, para quem não sabe, serviu o Amapá. Foi um dos nossos primeiros representantes no Conselho Federal da Ordem dos Advogados. Visitava o então Território freqüentemente, dando palestras aos profissionais do direito, estudantes e para quem quisesse ouvir. Falava sobre liberdade naqueles anos sombrios. Trazia a esperança de ver o Brasil redemocratizado. Carismático e generoso ajudou inclusive financeiramente a adquirir a primeira sede da OAB/AP. Os advogados amapaenses lhe devem esse tributo. Infelizmente, seu nome foi apagado do Auditório de Reuniões. Que pena!...Mas permanece vivo na memória e no coração daqueles que aprenderam admirá-lo e respeitá-lo.
E hoje, pedimos licença ao novel amapaense Gilmar Mendes, para que possamos levar aos nossos leitores o seu artigo publicado em revista especializada:

“No Dia 16 de janeiro de 1969, ocorreu uma das maiores agressões ao judiciário brasileiro: a aposentadoria compulsória dos Ministros Victor Nunes Leal – então Vice-Presidente-, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em solidariedade aos cassados, renunciaram em seguida o então Presidente – Ministro Gonçalves de Oliveira, que tomara posse há pouco mais de um mês – e o decano da Corte, Ministro Lafayette de Andrade.

Ano de celebrações, como os 20 anos da Constituição Federal, o centenário da morte do grande Machado de Assis e os 200 anos da chegada da Família Real ao País, 2008 encerrou-se com a triste memória dos 40 anos da decretação do Ato Institucional n°5. Foi decerto uma das mais duras intervenções institucionais na História da República.
É o mesmo sábio Machado, entretanto, quem nos ensina ser a História “pessoa entrada em anos, gorda, pachorrenta, meditativa, tarda em recolher documentos, mais ainda em os ler e decifrar”.

É, portanto, indispensável relembrar os fatos que pavimentaram a acidentada trajetória da democracia brasileira, afim de que esse conhecimento impeça definitivamente o retorno de qualquer daqueles infortúnios, de sorte que nem o mais incipiente deles ressurja sequer como ameaça. Não me canso de repetir que, felizmente, a democracia em nosso país passou a ser um valor em si mesmo, do qual muitos brasileiros se ufanam.

Os atos institucionais foram o meio encontrado de quebrar as garantias fundamentais e a própria ordem constitucional para viabilizar o regime de exceção.

A investida contra o Judiciário não foi pequena. Ficou célebre, à época, o “Caso das Chaves”: a tentativa do regime de exceção de intimidar a Corte foi respondida duramente pelo então Presidente da Casa. Na época, o Ministro Ribeiro da Costa respondeu que, sendo o Supremo ápice do Poder Judiciário, não poderia submeter-se à ingerência do Poder Executivo. O Presidente avisou então que, se desautorizado o Tribunal, fecharia suas portas e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto.
A primeira intervenção do regime de exceção no STF foi o aumento de 11 para 16 os membros da Corte, fazendo-o mediante o Ato Institucional n°2, que concretizou o estado de sítio, extinguiu os partidos políticos e ampliou a competência da Justiça Militar.

Tamanho acinte não foi bastante para obter a conivência do Supremo com os desmandos do regime. A Corte continuou atuante em garantir as liberdades individuais, inclusive dos perseguidos por ações políticas, presos de forma arbitrária, a maioria em total desabrigo dos mais básicos direitos humanos.

Nomeados, os novos Ministros desfizeram-se, como devido, de qualquer matiz partidário. Investidos da função de julgar, cumpriram-na com fiel atenção aos princípios de Direito.

Veio então o Ato Institucional n°5, que significou maior endurecimento do regime de exceção em vigor no Brasil desde 1964. Suspendeu-se a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social, e a economia popular. Excluíram-se, ainda, de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5.

Desse modo, o AI-5 conferia poderes excepcionais ao Executivo, limitando tanto a atuação do Legislativo quanto a do Judiciário, além de praticamente eliminar as liberdades individuais ainda existentes no Brasil.

Com base nesses atos, que subverteram as instituições e as garantias fundamentais, atacou-se a independência do Judiciário, limitando-se sua atuação e intimidando seus membros.

Ao discursar após o episódio, o Ministro Luiz Gallotti ressaltou que os três magistrados “foram aposentados pelo governo da revolução, porque considerados incompatíveis com ela”. A tradução era linear: tornaram-se alvos pelo desassombro com que, enfrentando a truculência despótica, defenderam a liberdade como bem maior da existência humana.

Foram perdas irreparáveis. Ainda, aproveitou-se a oportunidade para retomar a composição original da corte. A dor da revolta pela injustiça dos atos arbitrários, que apanharam em pleno apogeu nomes que honraram o STF e a magistratura brasileira, esteia a convicção de que o período ditatorial suportado pelos brasileiros serviu-lhes como antídoto contra o anátema odioso de regimes totalitários, alicerçados mais na ignorância, no despreparo, do que em qualquer viés ideológico do povo.

Vem-nos do próprio Evandro Lins e Silva, inato prócer na defesa da liberdade, a advertência de que é preciso lembrar esse sombrio período da vida republicana pátria para esconjurá-lo: “Só com liberdade, só com o regime democrático, com a transparência de suas instituições, é possível desmascarar os impostores, apontar os defraudadores do erário, os torturadores, os ladrões públicos, como tem acontecido ultimamente”.

De tudo, fica-nos reforçada a certeza de que a independência do judiciário não é privilégio dos magistrados, mas garantia dos jurisdicionados. Tenho frisado que, no Estado constitucional, a independência judicial é mais relevante do que o próprio catálogo de direitos fundamentais, pois Estados ditatoriais há com os mais amplos desses catálogos. Todavia, mesmo sem contar com rol formal desses direitos, mais retos são aqueles que respeitam o Estado de Direito, por conta da independência judicial.

Daí a importância de valorizarmos este elemento, pedra central da Constituição de 1988 e, portanto, de toda a democracia brasileira”.

Wagner Gomes
wagnergomesadvocacia@uol.com.br
wg_ed.wagneradv@hotmail.com

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