terça-feira, 10 de março de 2009

EFEITO CINDERELA: ENTRE A FANTASIA E A PUNIÇÃO


Como advogado militante, já participei de diversas operações da Polícia Federal, aqui no nosso Estado. Desde a denominada “Pororoca”, a primeira aqui ocorrida.
Hoje, trago aos nossos leitores uma análise de ANDRÉ RAMOS TAVARES, que é professor dos Programas de Doutorado e Mestrado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre outros títulos acadêmicos, acêrca dos “batismos” dados pela PF à suas operações;
“O Conselho Nacional de Justiça, em Sessão de 4 de novembro de 2008, entendeu recomendar “aos Magistrados Criminais que evitem a denominação dada às operações policiais em atos judiciais”.
A recomendação, que não tem força obrigatória geral nem é vinculante para os magistrados, só alcança sentido a partir de uma análise da forma como recentemente a Polícia Federal passou a atuar.
Nos últimos tempos, a Polícia Federal adotou a rotina de batizar com nomes pomposos e chamativos as operações de investigação que realiza. Em geral, são denominações de efeito, porque aptas a despertar a atenção da mídia e dos telespectadores, que, em diversas ocasiões, foram também convidados para assistir, em primeira mão, muitas dessas operações. Um exemplo que bem ilustra esse procedimento é o da “Operação Cinderela”, destinada a combater o tráfico de pessoas (especialmente mulheres) e a exploração sexual infanto-juvenil.
O pressuposto da decisão do CNJ é o de que esses nomes teriam conotações implícitas, finalidades não declaradas, que procuram reforçar e certificar a lisura da operação e a criminalidade dos fatos investigados. Em certo sentido, estariam também a atribuir uma pecha aos investigados (o cidadão foi preso pela “Operação Navalha”).
Mas o CNJ não está preocupado com a identificação em si das operações, e sim com uma certa submissão ingênua de magistrados que, supostamente, estariam encampando as nomenclaturas atribuídas pela Polícia e, dessa maneira, sendo condescendentes com a tentativa de caracterizar negativamente os próprios fatos ainda pendentes de investigação ou condenação.
Consoante entrevista concedida pelo Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Gilmar Mendes, “a preocupação é manter a imparcialidade do juiz”. È que, segundo seu entendimento, em muitos casos a própria denominação pode propor um caráter de parcialidade, o que é intolerável no âmbito da justiça.
O Ministro também vislumbra, em alguns casos, “propósitos políticos inequívocos”. Como exemplo, citou a “Operação Têmis”, que é a deusa da justiça, para denominar uma operação que teve origem no judiciário de São Paulo. Segundo noticiou o próprio CNJ, entende-se que o nome estaria a sugerir o envolvimento de toda a justiça no caso, o que o Ministro Gilmar Mendes não considera “razoável”.
Consoante o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, a iniciativa visa proteger o sucesso das investigações e o respeito aos direitos fundamentais, que são efetivamente os dois vetores principais envolvidos nesta discussão.
Em realidade, o que procurou o CNJ foi restabelecer a oficialidade que deve haver na identificação judicial de investigações policiais. Estas devem se referir a fatos e não a nomes fantasiosos. Tecnicamente, pois, o Judiciário há de trabalhar com o material válido fornecido pela Polícia, que há de trabalhar dentro de suas funções constitucionais, o que não inclui a vocação de alguns policiais para certa literatura simbólica. Como bem observou o Ministro Gilmar Mendes, juízes devem adotar “linguagem apropriada e evitar excessos”.
Creio que alguns nomes até desmerecem a seriedade com que a grande maioria das investigações é conduzida e incutem na mente do analista mais preocupado a séria dúvida sobre a sua real finalidade: se o que se busca é proporcionar um espetáculo momentâneo, mas desnecessário, ou capturar os fatos supostamente criminosos e capacitar o Ministério Público e o Judiciário a decidirem da forma mais correta a aplicação do direito.
A grande pergunta que fica para os operadores do direito é a seguinte:
- E qual seria a finalidade dessas denominações?
Considerando-se o ditado não há almoço grátis, tudo tem seu preço, caberia indagar se o “batismo” das operações é apenas uma inocente brincadeira? Mas, por se tratar de órgão estatal, a pergunta correta é se ele promove algum importante papel na condução ou revelação das investigações?
Caso a Polícia tivesse algum dever pedagógico para com a sociedade, talvez se pudesse imaginar algo além da investigação séria, dedicada e consistente, mas mesmo assim não se justificaria uma nomenclatura pouco esclarecedora e mais midiática. Ocorre, porém, que o primeiro dever da Polícia, em relação à sociedade, é o de respeitar os direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão, inclusive daqueles que ainda não foram condenados oficialmente. Ninguém deve ser humilhado ou execrado publicamente. E o dever funcional da Polícia é o de servir como polícia judiciária. Na realidade, portanto, o procedimento de dar nomes às operações parece revelar apenas um marketing policial, por vezes pessoal.
Seja como for, a ligação de alguém com determinada operação não pode servir como forma de punição prévia ou de execração pública. Vamos chamar isto de “efeito cinderela”. O tom jocoso por si já e capaz de lançar algum dilema para o juiz quanto à soltura de possíveis inocentes, bem como gera sérias dificuldades para aqueles que supostamente estariam envolvidos e que devem ter todo direito à ampla defesa e à preservação de seus direitos fundamentais e de sua imagem e honra, que não devem ser vilipendiadas ou antecipadamente negadas.
Cumpre ao magistrado estar atento e não criar, ele próprio, mais uma dificuldade para a defesa do acusado, nem alinhar-se às visões parciais advindas da polícia investigativa ou do Ministério Público, enquanto órgão acusador.
Wagner Gomes

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