segunda-feira, 1 de junho de 2009

DUBAI OU TAILÃNDIA?


Ontem, no final da tarde chuvosa, após algumas doses de uísque, selo preto, o meu amigo sociólogo Jocivaldo França, que também é um profundo conhecedor das letras, dizia-me, citando Honoré de Balzac:
O amor é dizer a si mesmo: “aquele (a) que amo é um (a) infame; engana-me; enganar-me-á; é um (a) libertino (a) um (a) ingrato (a)”. E correr para ele (a) e nele (a) encontrar o azul do éter e as flores do paraíso.
Refletindo sobre o assunto, lembrei de um conto em forma de carta de autoria de Wilson Rodrigues Carvalho, colunista do site Quarta Coluna, e que também assina os romances “O segredo de Kauana Lyra”, e “Nós, os revolucionários”.

Prezado desgraçado,

Ninguém mais escreve cartas. Como ainda me sinto alguém, apesar de tudo, escrevo essas parcas linhas, seu porco, para expor-lhe algumas dúvidas. Sabe quando, após 35 anos, vc se olha no espelho e finalmente se vê? Evidente que não me responderá, pois, do alto dos seus 58 anos, vc certamente não se enxergou uma vez sequer. O seu ego sempre tapava a imagem no espelho. Seu pênis nunca me causou grandes impressões, ao contrário do seu ego superdotado. Fui ingênua, relacionei idade com maturidade e sabedoria. Nem sabedoria fútil de botequim encontrei em vc. Achávamos que era fácil enganar sua...aquela mulher. Várias vezes gozamos da sua (dela) ingenuidade execrável. Ela acreditava muito facilmente nas suas explicações fajutas. Eu condenava a sua (dela) tolice e, cega, não enxergava a minha própria. Tola, ingênua, humilhada. Em resumo: eu.
Sinto-me envergonhada ao reconhecer nossa ausência total de originalidade: reuniões nos fins de semana?, pescaria no clube de campo, vc, um ser urbano que não sabe pegar peixe nem na feira?, futebol com os amigos nos hábitos de um sedentário convicto, amante de maminha, picanha e charuto cubano? A vergonha é um prato que se come frio. Na pior hipótese (continuo nada original), poderia ser tudo igual, até hoje. Não queríamos reinventar a roda dos amantes secretos. Se eu não fosse tão manipulável, quando supostamente apaixonada, vc não teria levado aquela peça íntima no bolso do terno. Eu não conseguia contemplar o firmamento sem ver a miragem do seu rosto entre nuvens de algodão e o azul do céu. Se é que existe céu. Pois, hoje, vc é pra mim apenas mais um entre executivos prepotentes e egocêntricos que passam em seus carrões, falando no celular com expressão de idiota sério e responsável. Vc sabe o que é dinheiro e a felicidade vil que ele pode comprar, sabe sobre ternos caros, sapatos italianos e agenda lotada, mas não sabe o que é humilhação, seu cretino. Então, vou tentar lhe descrever: ela entrou no meu consultório como uma paciente qualquer, olhou-me fundo nos olhos, não notei nada anormal, sorriu sem mostrar-me os dentes. Estendi a mão, ela estendeu a sua, mas permaneceu com ela cerrada, como se segurasse um pequeno pássaro fujão. Quando toquei sua mão, senti o tecido sedoso. Dentro da calcinha embolada, um papelzinho branco, sobre o papelzinho branco o número 7398-1222. Lembra-se do número da minha clínica, seu tolo cheirador de calcinha alheias? Eu e os lugares-comuns dos amantes secretos. Ela não me xingou sequer do mais clichê dos nomes para amantes secretas; piranha ou vaca, por exemplo. Então, eis aqui a revelação, imbecil: ela sempre soube de nós. E, que raiva, das outras sobre as quais eu não sabia, seu porco gordo e repulsivo. Ela suportava porque não precisava de vc, físico e espiritualmente falando; precisava dos seus cartões sem limite e da sua assinatura para abrir contas secretas em paraísos fiscais; ela malhava, lia, pegava avião como quem pega ônibus todo dia de manhã para trabalhar, ela transava com deuses do Olimpo que cobravam fortunas, às suas custas; e vc crente de que ela passava o dia descabelada, deprimida sobre a cama, esperando o que vc jamais daria. Ela fazia bacanais em Dubai, no Burj AL Arab, e ligava chorando, enquanto era currada por um negro enorme (em todos os sentidos), dizendo que não via a hora de voltar para casa. Vc não era o único homem dela? O único que “entrava ali”, como gostava de se gabar? Droga! Sinto falta dele. Ele nunca mais vai querer ouvir falar em mim, se receber esta carta. E ninguém mais escreve cartas. Vou enviar um e-mail, dizendo que estou um pouco chateada. Digo que não posso explicar e me alongar muito, pois tenho muito trabalho. Quem sabe o descarado, o sem-vergonha não me propõe um fim de semana em Dubai, para conversarmos como dois jovens adultos. Antes, porém, posso ligar para ela, e perguntar se Dubai é melhor do que a Tailândia.

Wagner Gomes
wagnergomesadvocacia@uol.com.br
wg_ed.wagneradv@hotmail.com

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