sábado, 18 de abril de 2009

Passageiros da Agonia


Peço atenção aos meus caros leitores, para uma crônica escrita por Machado de Assis, no Rio de janeiro, em julho de 1883, onde traça algumas regras para os passageiros de bondes. Note-se que essas regras bem que poderiam ser adaptadas, hoje em dia, para os usuários de ônibus em Macapá.

“Ocorreu-me compor umas certas regras para uso dos que freqüentam bonds. O desenvolvimento que tem sido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático, exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez.

Art. I – Dos encatarroados
Os encatarroados podem entrar nos bonds com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.
Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: – ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.
Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio Bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc.

Art. II – Da posição das pernas
As pernas devem trazer-se de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação.

Art. III – Da leitura dos jornais
Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro.

Art. IV – Dos quebra-queixos
É permitido uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: - a primeira quando não for ninguém no bond, a segunda ao descer.

Art. V – Dos amoladores
Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repelindo os ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

Art. VI – Dos perdigotos
Reserva-se o banco da frente à emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua.

Art. VII – Das conversas
Quando duas pessoas, sentadas a distância, quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras.

Art. VIII – Das pessoas com morrinha
As pessoas com morrinha podem participar dos bonds indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-los mesmo da janela.

Art. IX – Da passagem às senhoras
Quando alguma senhora entrar o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas, como porque é uma grande má-criação.”

Wagner Gomes
wagnergomesadvocacia@uol.com.br
wg_ed.wagneradv@hotmail.com

Um comentário:

Kiara Guedes disse...

Ei, aquela não é minha mana!???? rs